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Como seria em 2021 a casa da menina brasileira que foi rainha de Portugal?

E se D. Maria II vivesse nos dias de hoje: como seria a sua casa?

Três reis e uma rainha, quatro histórias de vida que nos ajudam a perceber melhor a história de um país. Neste artigo, vamos olhar para a personalidade e as principais marcas do reinado de D. Maria II, menina nascida no Brasil que, de um momento para o outro, se viu a governar Portugal. E que foi capaz de governar um país e uma casa com sete filhos com a mesma maestria. Mas que casa era essa?

O investigador e historiador João Ferreira, autor de vários livros sobre a monarquia portuguesa, ajudou-nos a entender os traços de personalidade de D. Maria II e a imaginar como e onde seria a casa da primeira e única rainha constitucional do país. O Imovirtual fez o resto, numa série que inclui outros três artigos, de três monarcas marcantes da história de Portugal: D. Afonso Henriques, D. Dinis e D. João V.

É difícil não colocar a maternidade no topo da história desta rainha, porque ela não foi “apenas” mãe. D. Maria II viveu e morreu pelos filhos, como a própria adivinhou no dia em que, avisada para o risco de tantos partos, disse. “Se morrer, morro no meu posto”. Assim foi.

A rainha teve o primeiro filho aos 18 anos e, até aos 34, passou por mais 11 partos. Uma vida de gravidezes. Ao todo, dos 12 bebés, sobreviveram sete. E no último, além do bebé, nem a própria Maria resistiu.

Não que não estivesse avisada. Os últimos quatro partos tinham resultado em nados-mortos. Numa carta citada no livro “D. Maria II – Tudo por um Reino”, de Isabel Stilwell, D. Fernando II, o marido, escreve que não foi o sofrimento e as dores a matar a esposa, “mas a fadiga e a fraqueza”.

  • “Creio que os seus numerosos partos enfraqueceram de tal forma o seu organismo que já não sentia nem mesmo contrações fortes e dolorosas”

D. Fernando II escrevia consternado à rainha Vitória, amiga e confidente de D. Maria II, para lhe dar a notícia da morte da mulher:

  • “O que tu não sabes, minha querida Vitória, era ao ponto que eu e ela éramos ligados. Estes grandes afetos, quando são estilhaçados, deixam uma vida triste e uma dor difícil de curar. Tenho os meus filhos, que amo tanto, e que são tão bonitos e bons, mas uma mulher que nos ama, nada pode substituir

A vida de Maria da Glória Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier de Paula Isidora Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga (não, não há erro, é o nome completo da rainha), foi como o seu reinado: curta, mas intensa. Na descrição de Fernando Policarpo, que escreveu um livro sobre ela para a Academia Portuguesa da História, foi uma vida “extraordinariamente agitada e perigosa e, ainda assim, plena de tolerância e humanidade”.

Maria da Glória nasceu no Palácio de São Cristóvão, no coração do Rio de Janeiro, de onde jamais poderia imaginar que sairia para governar um país do outro lado do Atlântico. Tudo aconteceu muito rápido. Há quem diga até que os oito anos que a menina viveu no Rio foram os mais felizes da sua vida, uma infância rodeada de morros verdes e areias finas, que Maria nunca mais voltou a ver. Foram, pelo menos, os mais despreocupados, até que chegou à Baía da Guanabara a notícia da morte do avô, D. João VI, lá em Portugal, que lhe mudou irremediavelmente a vida.

Se pudesse, Maria teria feito como o pai, D. Pedro I do Brasil, que passou a infância em Portugal, andou pelas Américas, foi imperador brasileiro, e veio morrer no mesmo quarto em que tinha nascido, no Palácio de Queluz. Metade portuguesa, metade brasileira, D. Maria II teria feito o caminho contrário: nascida no Rio de Janeiro, governaria Portugal, até ter a missão cumprida para poder voltar à adorada e maravilhosa cidade, com a qual nunca perdeu a ligação, até porque o último imperador do Brasil foi o irmão, D. Pedro II.

E é por isso que, ao contrário do que parecem sugerir esses últimos anos de sofrimento, a vida de Maria da Glória no século XXI seria tudo menos infeliz, mas a de alguém com tempo de educar com primor sete filhos. Até porque, se fosse hoje, certamente essa tarefa seria partilhada com o marido Fernando. Sediada no Rio de Janeiro, a mulher-gravidez teria condições suficientes, para, também ajudada pela medicina, dar à luz 12 filhos saudáveis, aproveitando os períodos de gestação para longos passeios à beira-mar.

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Entre os 18 e os 34 anos, D. Maria II esteve grávida 12 vezes. Em 2021, talvez escolhesse uma família menos numerosa, mas teria também o apoio de uma medicina muito mais desenvolvida para partos mais tranquilos. O calçadão em Ipanema seria o local escolhido para passar as suas longas tardes

Mas recuemos novamente até ao século XIX. A história de D. Maria II muda quando o pai D. Pedro I é obrigado a deixar o Brasil, numa altura em que o ambiente em Portugal não era dos mais leves. O tio de Maria, D. Miguel, tinha tomado o controlo absoluto do país, com o apoio de quase toda a gente. Os defensores da liberdade não eram tantos como agora se diz, lembra o historiador João Ferreira, o que fez com que a família da menina se tivesse refugiado em França, enquanto se preparava para o campo de batalha português.

Pelo meio, aconteceu o primeiro “casamento falhado” de D. Maria II: sabendo que não era muito bem visto em Portugal, D. Pedro I tinha abdicado do trono a favor da filha, “prometendo-a” ao tio D. Miguel. Os dois casaram por procuração, tinha Maria sete anos, e estava Miguel em Viena, na Áustria. Mas isso foi antes de o tio quebrar a promessa, desistir do casamento e proclamar-se rei absoluto. Ou seja, além de um casamento, o primeiro reinado de D. Maria II durou dois anos e foi pouco mais do que um falhanço.

É certo que a rainha era menos do que uma adolescente (tinha nove anos), mas foi sempre uma menina atenta, bem comportada e bem madura para a idade, segundo os relatos da época.

Nessa altura, com o pai exilado, Maria atravessa o Atlântico de barco em direção à Europa, onde há-de passar por Áustria, França e Inglaterra, concluindo uma educação de topo, sempre na companhia da madrasta, D. Amélia. E só aos 15 anos, quando o pai já tinha vencido a guerra, é que Maria pisa solo português. E logo para o governar. Dava-se assim a bizarria de haver uma mulher a comandar um país onde as mulheres não podiam votar.

Havia outra novidade: Portugal tinha uma constituição, que vinha de 1822, e a rainha teria de governar com ela. “Não havia histórico de como se governava um país com uma constituição, mas havia uma coisa que se sabia: a rainha tinha que dar herdeiros, não podia haver falhas”, conta João Ferreira. E por isso era preciso a rainha casar. Combinou-se que seria com Augusto de Beauharnais, outro quase-tio, já que Augusto era irmão da madrasta Amélia. Só que o casamento não durou nem dois meses, porque o príncipe morreu.

Foi preciso “esperar” pelos 16 anos para Maria da Glória casar com o homem com quem ficaria até ao fim da vida e com quem teria todos os filhos. Chamava-se Ferdinand August, austríaco de nascença, e viria a ser o rei-consorte (que significa, marido da monarca) Fernando II de Portugal. Ainda não havia filhos, mas D. Maria II já fazia jus à frase de uma vida “curta, mas intensa”.

Depois de um dos períodos mais violentos da história de Portugal, o que fica dos 19 anos do seu reinado é a pacificação do país, e o desenvolvimento que D. Maria II conseguiu em áreas políticas, económicas e, sobretudo, de educação, tanto cultural quanto espiritual (lembrando que a rainha ficou com o cognome de “A Educadora”). Foi no seu tempo que o ensino primário se tornou gratuito, por exemplo. E foi o seu amor pelo teatro que fez história. No dia em que celebrava 27 anos, a rainha inaugurou o Teatro Nacional D. Maria II, até hoje um dos principais centros culturais do país. Fica no Rossio, em Lisboa, curiosamente na praça que leva o nome do seu pai.

Apesar do respeito pelas instituições, a rainha era meio ‘metediça’. “Um rei constitucional reina, mas não governa”, explica João Ferreira, tal como hoje um Presidente da República, e a verdade é que “ela teve sempre aquela vontade de se meter nos governos. Sabia-se que havia políticos de quem ela gostava, e outros que detestava.” 

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Conhecida como a Educadora, a Maria do século XXI lutaria pelas suas bandeiras de sempre: a educação para todos, as problemáticas femininas, o amor pela cultura e pelo teatro. No seu quarto cabem referências a Lisboa, aos filhos e a uma vida pessoal e profissional bem agitada

A Maria da Glória de 2021 é uma mulher preocupada com os direitos femininos, principalmente por causa da maternidade e da dificuldade que ainda recai sobre as mulheres para educar crianças e manter uma atividade profissional intensa. A prová-lo estão as numerosas cartas que trocou com a rainha Vitória há três séculos, onde aparecem com frequência os problemas que afetam o reino, e que hoje seriam os problemas da contemporaneidade, como as questões familiares e profissionais das mulheres, a desigualdade salarial e movimentos como o #MeToo.

Maria seria também uma pacificadora, moderada, uma mulher de consensos e equilíbrios, herança de uma vida familiar com várias divisões, em que o pai fez o que pôde para fugir do conflito. O pulso firme e a rigidez ela deixaria para a educação dos filhos, que continuaria a querer que fossem os melhores de entre os melhores, como foi o filho Luís, um exímio tocador de violoncelo e belo tradutor de Shakespeare, com uma qualidade ainda hoje reconhecida. Mesmo que para tudo isso fosse preciso Maria recorrer à sua faceta ‘metediça’.

Orgulhosa das raízes cariocas, sem medo dos rótulos como aquele em que o Padre José Agostinho de Macedo satirizava a corte da princesa do Grão-Pará — “feita e macacos e papagaios” —, Maria da Glória guardaria em casa alguns dos seus melhores retratos. Um pouco como aquele que em 1967 entrou em circulação na nota de mil escudos em Portugal, onde Maria aparece jovem, de cabelo apanhado e olhar sorridente.

1000 escudos nota d.maria ii

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Ultima actualização: 01 outubro 2021
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