DestaquesNotíciasNotícias

O mercado está em alta para todos?

Os players do mercado imobiliário, principalmente os da mediação, ficam sempre muito entusiasmados quando se diz que o mercado está em alta, percebo, é sempre bom passar positivismo para construir confiança e captar investimento, mas será que se falava até há bem pouco tempo de forma generalizada? Será que o mercado esteve ou ainda está em alta para todos os segmentos?

A verdade é que não.

Apesar do sucesso da última década e do papel importantíssimo que este setor teve na situação crítica que foi o subprime, a crise da habitação em Portugal é inegavelmente e hoje, um tema diário para a maioria que não tem oferta nem capacidade de compra para aceder à compra ou arrendamento de habitação e que a curto prazo, não vê grande perspetiva de solução para o seu problema.

Embora o estado tenha tentado intervir, e apesar de saber quais as variáveis que garantem um certo equilíbrio no mercado imobiliário habitacional, fê-lo tardiamente, e por isso, sem garantia de impacto às respostas necessárias no imediato. Afinal, uma das características inegáveis deste mercado é que o mercado imobiliário, é lento, aliás, muito lento a reagir.

Porquê?

Porque a oferta demora a produzir, os valores de transação são elevados, a decisão é muito ponderada e o processo é burocrático.

A pergunta que se impõem é, sabendo isto, sabendo o que contribui para o seu equilíbrio, como é que deixámos chegar a habitação a este ponto?

O mercado imobiliário é cíclico, sempre foi, embora em conjunturas diferentes, isso permite que se aprenda com erros do passado, permite que se façam análises de previsão e que se tomem medidas preventivas para evitar problemas futuros.

Não é uma tarefa fácil, pois o mercado imobiliário sofre geralmente de um forte desequilíbrio entre a oferta e procura.

A oferta é pouco elástica, ou seja, não consegue responder a solicitações da procura com rapidez quando esta é estimulada.

A procura é estimulada pela confiança e principalmente pelas condições financeiras para adquirir o bem, a resposta da procura acontece a uma velocidade muito maior que a capacidade da oferta, e é aqui que reside grande parte do desequilíbrio que origina fortes e por vezes longos períodos de escassez para a procura existente.

Nestes períodos como o de hoje em que, apesar do acesso a crédito ser mais restrito e o custo de crédito mais caro, observa-se uma tendência generalizada de subida de preços estimulada pela pressão da procura, atualmente, chega ao ponto de ir muito além da capacidade de compra da procura dos segmentos baixo, médio e até médio/alto.

Esta espiral de mercado em alta torna-se muito apetecível para investidores especulativos, promotores de projeto a médio prazo e ainda mediadores imobiliários que vivem da transação, especialmente, como até bem pouco tempo atrás, a procura era estimulada com condições financeiras apetecíveis e taxas de juro negativas que criavam uma falsa sensação de capacidade de compra tornando a decisão muito emocional e muitas vezes inconsciente.

A ausência de oferta de um mercado de arrendamento estável, também não ajuda nem serve de alternativa para quem necessita de satisfazer uma necessidade primária de habitação. O mercado de arrendamento desregulado e inexistente acaba por estimular a precariedade e especulação, prova disto é um fenómeno já verificado em décadas anteriores: as prestações bancárias tornam-se mais baixas que as rendas e quando isso acontece o consumidor final tende a não fazer contas e optar instintivamente pela compra em detrimento do arrendamento, não fazendo contas a despesas inerentes à posse, aumento de taxas de juro e maior dificuldade de troca de casa quando há necessidade de tomar decisões de mudança de vida urgentes, os chavões clássicos que sempre se ouviram em países latinos como Portugal: “arrendar é deitar dinheiro à rua”; “mais vale comprar casa própria”.

Investir em imobiliário muitas vezes passa por comprar para colocar em arrendamento e não para utilização própria. Quando o imóvel é para utilização própria, geralmente não se faz planos de saída a curto prazo e refugiamo-nos num outro chavão: “a médio, longo prazo as casas valorizam sempre.” Será?

Mas voltado ao mercado em alta, outro fenómeno a ter em conta é o tempo de absorção, ou seja, a média em tempo que um imóvel demora a ser vendido. Como referi anteriormente o mercado é lento, mas quando o desequilíbrio acontece com tempos de absorção abaixo de 1 mês, como por exemplo ainda acontece ou aconteceu em certas zonas da cidade de Lisboa, proporciona-se um cenário ideal para atrair oportunistas e especuladores, que de forma natural investem para comprar e vender rápido (flipping ou fix & flipping), ou investem, no caso da mediação, em aumentar estrutura de agências e agentes para aproveitar fases de mercado em alta.

Tudo certo, mas… a procura está a chegar ao limite da sua capacidade de esfoço, por outro lado, as taxas de juro subiram de forma abruta e apesar de qualquer tendência anunciada de descida à vista, não chegaremos com certeza e num futuro próximo a taxas de juro negativas o que dificulta cada vez mais o acesso ao financiamento.

A única forma de se continuar com o mesmo ritmo de transações dos últimos anos é trabalhar na oferta, se hoje houvesse oferta que suportasse grande parte da procura, possivelmente poderíamos ter um reajustamento de preço, ou mesmo uma descida para compensar o custo do financiamento. A oferta só se consegue trabalhar de duas formas:

1. Produzindo mais imóveis, e isso demora o tempo, anos, e iludam-se as pessoas que compram em planta, pois com a possibilidade da cedência de posição contratual amada pelos investidores especuladores, vai fazer com que os preços continuem a subir

2. Com o aumento do crédito mal parado, o incumprimento leva à disponibilização de produto para o mercado, mas este processo costuma demorar tempo e os níveis atualmente estão estáveis.

Parece que estamos num impasse que não agrada a ninguém, pois se a procura tiver cada vez mais dificuldade em comprar, mais tarde ou mais cedo, vai deixar de o fazer e isso vai provocar uma descida no número de transações (tendência que já se verifica atualmente) e por isso um abrandamento no crescimento dos preços, ou até um reajustamento para baixo que pode acontecer motivado por uma velocidade mais lenta do tempo de absorção.

É nesta fase que os investidores especuladores terão tendência a desaparecer ou migrar para outros mercados colocando (para se defenderem) os seus imóveis no mercado do  arrendamento.

As agências imobiliárias, que vivem da transação, vão ter de rever os seus custos operacionais e redimensionar, pois, caso não o façam, terão sérias dificuldades de operação e por fim, os agentes que até agora se mantinham focados apenas na transação e não na relação, tenderão a abandonar este mercado por falta de resultados num mercado que pode ficar mais pequeno, mais competitivo e sobretudo mais lento.

Resta apenas dar tempo ao tempo, afinal, o mercado imobiliário é como um grande navio que quando muda de direção, o faz lentamente e sem por vezes, quem está nele, se dar conta que está a mudar. Só os mais experientes, profissionais e resilientes conseguem observar, sentir e analisar de forma a antecipar e adaptar a sua atividade a qualquer ciclo de mercado.

Botão Voltar ao Topo